23 de julho de 2015

O Curiango

Quando eu era criança, lá com meus 5, 7 anos, eu costumava visitar muito as chácaras da minha avó.
Para toda criança de sete anos, um terreno enorme com árvores altas e frondosas, flores de todas as cores e tamanhos, arbustos e alguns insetos estranhos eram algo muito mágico. E as chácaras eram exatamente assim.
Depois de passada a época em que eu procurava o Tarzan nas matas atrás da casa ou buscava um pequeno conjunto de estátuas de anões por entre raízes de pinheiros, eu precisava de uma nova mágica pra procurar. E não demorou: minha vó me contava de um pássaro, um que eu nunca via, que ela chamava de curiango.
"Ah minha neta, fica quieta que senão o curiango não vem"
"Ariel, não mexe aí que o curiango assusta!"
"Ariel, não traz gato que ele come o curiango."
E curiango vai, curiango vem, nunca vi o tal pássaro. Não me lembro se já o ouvi, provavelmente já, mas os ouvidos de uma criança encantada não são fontes muito confiáveis. Mas que minha vó criou uma aura mágica em torno desse pequeno ser, ah criou.
Alguns anos passados, eu já conseguia entender que o curiango era apenas uma ave tentando se abrigar nas árvores calmas do quintal da minha avó. Voltei, esperançosa para ver o curiango. Quando cheguei, porém, curiango por ali não tinha mais. Fugiu, morreu, gato pegou, foi pra outro canto. As regiões em torno da casa da minha avó estavam tomadas de pessoas desconhecidas, que queimavam folhas e cortavam plantas. Assim, os curiangos foram embora, e levaram junto sua magia.
Algum tempo depois, foi-se também o constante coachar dos sapos nos rios e nos lagos próximos, que eram a melhor canção de ninar que já ouvi. Foi então que percebi que, talvez, aquele lugar jamais voltasse a ser como era em meus primeiros anos.
Voltei pouco à casa da minha vó, e embora ela ainda pareça mágica a meus olhos, tenho medo de ter perdido mais alguma coisa. O som dos ventos nos pinheiros altos, o farfalhar leve das folhas sendo levadas, a batida de asas dos pássaros que ali continuaram, a revoada das garças ao pôr do sol, o cheiro de plantas e pinhas, o cheiro suave da manhã molhada de orvalho noturno.
E apesar disso, continuo com a imagem do curiango na cabeça. E também do Tarzan, e dos anões, e da mágica floresta de pinheiros que um dia houve atrás da casa, e ainda ouço o canto dos sapos na lagoa. E vou passar a vida me lembrando disso tudo, e não me esquecerei da infância mágica que passei naquele lugar.

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