18 de setembro de 2017

carvão

Eu poderia contar sobre
o quanto doeu pra mim quando
depois de um ano repetindo
e repetindo feito um disco quebrado
ou uma criança que aprende uma palavra nova
que estava tudo bem e eu ia superar isso
eu finalmente admiti que não
que as coisas tinham mudado e quando eu
olhava em seus olhos através do ligeiro
mas enorme espaço entre eles
eu não os via espelharem os meus

poderia dizer sobre como doeu continuar
fingindo que nada tinha mudado
porque mesmo depois de um ano repetindo
doeu demais admitir para mim mesma e eu não
tinha mais forças para admitir isso
para você também
e seus olhos transbordavam amor e seus lábios
me calavam a voz e diziam coisas tão lindas
que eu me deixei enganar mais um tempo
talvez acreditasse que os corações enganados
se quebrassem menos que os feridos
nunca pensei que eles já estivessem quebrados
desde o começo

poderia dizer sobre como doeu quando me perdi
em rios e corredeiras e campinas dentro de mim
e corri até cair em um abismo que insistiu demais
em encarar de volta e Deus, ele é bom nisso
e precisei escalar de volta enquanto você gritava
perdido e talvez tropeçando em seu próprio abismo
e cada grito rasgava um pedaço das minhas palmas e
eu ameaçava cair ainda tentando te segurar
mas você não estava mais ali, se bem que
na verdade acho que eu é quem não estava mais ali
escalei de volta e olhei seus olhos, e através
do singelo mas imenso espaço entre eles
eu entendi que a imensidão entre duas estrelas
nada se compara à distância intransponível
entre as duas almas cujo contato já foi uma supernova

poderia falar mais uma vez da dor que
perfurou meu peito e me fez enjoar
quando mais uma vez eu precisei esconder
e mentir e enganar os olhos que agora espelhavam
o passado
“o que eu fiz de errado?”
promessas e juramentos, ah o valor da justiça
para a juventude a honestidade tem valor
e eu te juro tentei prometer ser honesta e
cumprir essa promessa mas
pense como é difícil prometer enquanto
vendava seus olhos e apontava a faca para seu pescoço
“eu confio em você”
se a faca é a verdade e a venda a mentira
preferia ou morrer ou viver cego?
“eu amo você”
eu não te amo mais

poderia contar tudo isso, mas só isso
porque de dor conheço apenas a minha
da sua vi apenas a saudade nas lágrimas que deixei
escorrendo pelo seu rosto marcado pelo tempo
vi suas promessas cumpridas enquanto eu capengava
para manter as minhas
eu nunca te traí, mas meu coração já e eu preciso
ser honesta agora já que cinco anos não bastaram
para eu aprender que a verdade tem valor
não sei pra você mas pra mim a traição do sentimento
da confiança, do amor, é muito pior do que
uns beijos em lábios desconhecidos ou uma troca
de carícias com algum corpo além
e eu me sentia esfaqueando seu corpo enquanto
te abraçava e você sorria, agradecendo
“eu confio em você”

então acredite quando digo que entendo porque
você agora não confia mais em mim
eu deixei de te dar motivos para confiar há algum tempo
não vi seu abismo, não conheci teus bosques nem rios
bem antes de nos perdermos eu já havia desistido
de percorrer esses caminhos com você
só peço que não leve com você somente o rancor
ou a raiva ou a desconfiança
as pessoas mudam e eu sei que a pessoa que fui
seis anos atrás era perfeita para a pessoa que você era
seis anos atrás, e eu admito que sinto
falta de olhar em seus olhos e ver neles
um garoto que conheci há tantos anos e que eu amei
até queimar cada pedaço de carvão que
escavei de minhas próprias montanhas
pena que a gente se esqueceu que
carvão mineral não é um combustível
renovável

muito menos para o amor

Um comentário:

  1. Ao longo do tempo, voltei pra cá muitas vezes... E reli suas postagens muitas vezes. Ainda dói bastante... Mas eu fico feliz que cada um pode encontrar alguém melhor. A propósito... O poema é bastante bonito.

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