23 de setembro de 2017

granada

Paradoxal o sentimento
Cansaço, exaustão, vontade de fechar os olhos
E não acordar mais
Desespero não posso dormir não posso
O sono é um mar desconhecido cheio de
Monstros com os quais ainda não sei lidar

Estico os braços desesperada em busca do seu corpo
Encolho o corpo e aperto meus joelhos contra meu peito
Sai daqui sai daqui quero tudo menos seu sorriso
E suas falas vazias decoradas de romances antigos
Não quero você, ele nem ela nem ninguém
Quero o chão frio e o calor dos meus próprios demônios

Não é engraçado como escolho ficar
Enquanto arranco o pino da granada e olho em seus olhos
“Corra” eu grito, você nem hesita ao virar as costas e vai
A dor da explosão quase supera a do abandono
Quase

Acho que esperava que você ao menos se demorasse no olhar
Que esboçasse uma mínima intenção de me salvar
Mas não é engraçado como nem mesmo considerei
Que me rejeitaria tão rápido como
Descartou dezenas de perfis no Tinder antes de me conhecer?

A dor da explosão não superou a da rejeição
Essa me repuxa me rasga e me dilacera
Cada vez que meus lábios insistem em sussurrar seu nome contra o travesseiro úmido
Cada vez que meu corpo rola para o lado em busca de um calor que não sinto mais
Cada vez que abaixo a guarda e minha cabeça novamente visita seu canto do quarto
Ele ainda está lá, nunca perdeu seu lugar

Mas não é cômico como precisei me destruir
Para que você pudesse ver que eu apodrecia por dentro dia após dia?
Vá, estenda a mão, passe a gaze, me dê as muletas
Chega uma hora que você fica tão machucada
Que é mais feita de cicatrizes do que de
Você mesma
E você pode assinar seu nome abaixo de quase todas elas

Se hoje sou feita de marcas de guerra
É porque você me atirou na batalha e se escondeu
Se hoje há restos de faca encravados em mim
É porque me despi até a alma para você
E você achou divertido me cutucar com a ponta de sua coleção de facas
E eu ria enquanto escondia as lágrimas que derrubava sobre os cabos desgastados
É engraçado como
Quando você finalmente deixou de me ferir
Eu dei um jeito de me machucar
Esperando que você talvez cuidasse de mim
Deixei explodir a granada
Que era eu e você e nenhum de nós
Mas você conseguiu apenas
Correr

Você sempre foi muito bom

Em correr

o show tem que continuar

Para um coração que é um palco
Cada novo amor é um novo espetáculo
O teatro hoje está cheio
Mas a cochia entulhada de móveis e
Amores esquecidos

É como apresentar para uma plateia
Gigante e silenciosa
Ou uma solitária alma que se levanta
E aplaude sozinha
Se envergonhar de novo e de novo

(mais uma vez)

Monólogo impiedoso contra mim
Rasga a voz e corta com uma navalha
Se esvai a plateia aos poucos
Faltam alguns minutos para o fim
Desçam as cortinas e a mortalha

E clama alto, aos prantos e berros
Implora, suplica, chama e chora
A figura contra o holofote é clara
Mas indistinta forma de sombras
Com um passo sai da luz e adeus

(continua ali e me acena do escuro)

Uma mistura de tudo me invade o peito
Maquiagem, luz, figurino, script
Mais uma vez destruo com raiva o cenário
Picoto meus papéis e rasgo o figurino
Lavo a maquiagem com suor e lágrimas

O elenco já se foi e a autora fica só
Em pé no palco sob a luz observa assentos vazios
Autora que é atriz e figurinista e cenografista
E faz a música e a iluminação
Só não decide com quem contracena, ironia

Recomeçar é sempre difícil
Esquecer as falas da peça anterior
Para decorar as novas é fácil
Difícil é esquecer sem ter um novo roteiro
Pelo qual seguir

Me levanto e aplaudo solitária
Autora atriz plateia e crítica
As cortinas se fecham e as luzes se apagam
Os passos ecoam na amplidão vazia
O show tem que continuar

(mas o anterior tem que acabar)

18 de setembro de 2017

carvão

Eu poderia contar sobre
o quanto doeu pra mim quando
depois de um ano repetindo
e repetindo feito um disco quebrado
ou uma criança que aprende uma palavra nova
que estava tudo bem e eu ia superar isso
eu finalmente admiti que não
que as coisas tinham mudado e quando eu
olhava em seus olhos através do ligeiro
mas enorme espaço entre eles
eu não os via espelharem os meus

poderia dizer sobre como doeu continuar
fingindo que nada tinha mudado
porque mesmo depois de um ano repetindo
doeu demais admitir para mim mesma e eu não
tinha mais forças para admitir isso
para você também
e seus olhos transbordavam amor e seus lábios
me calavam a voz e diziam coisas tão lindas
que eu me deixei enganar mais um tempo
talvez acreditasse que os corações enganados
se quebrassem menos que os feridos
nunca pensei que eles já estivessem quebrados
desde o começo

poderia dizer sobre como doeu quando me perdi
em rios e corredeiras e campinas dentro de mim
e corri até cair em um abismo que insistiu demais
em encarar de volta e Deus, ele é bom nisso
e precisei escalar de volta enquanto você gritava
perdido e talvez tropeçando em seu próprio abismo
e cada grito rasgava um pedaço das minhas palmas e
eu ameaçava cair ainda tentando te segurar
mas você não estava mais ali, se bem que
na verdade acho que eu é quem não estava mais ali
escalei de volta e olhei seus olhos, e através
do singelo mas imenso espaço entre eles
eu entendi que a imensidão entre duas estrelas
nada se compara à distância intransponível
entre as duas almas cujo contato já foi uma supernova

poderia falar mais uma vez da dor que
perfurou meu peito e me fez enjoar
quando mais uma vez eu precisei esconder
e mentir e enganar os olhos que agora espelhavam
o passado
“o que eu fiz de errado?”
promessas e juramentos, ah o valor da justiça
para a juventude a honestidade tem valor
e eu te juro tentei prometer ser honesta e
cumprir essa promessa mas
pense como é difícil prometer enquanto
vendava seus olhos e apontava a faca para seu pescoço
“eu confio em você”
se a faca é a verdade e a venda a mentira
preferia ou morrer ou viver cego?
“eu amo você”
eu não te amo mais

poderia contar tudo isso, mas só isso
porque de dor conheço apenas a minha
da sua vi apenas a saudade nas lágrimas que deixei
escorrendo pelo seu rosto marcado pelo tempo
vi suas promessas cumpridas enquanto eu capengava
para manter as minhas
eu nunca te traí, mas meu coração já e eu preciso
ser honesta agora já que cinco anos não bastaram
para eu aprender que a verdade tem valor
não sei pra você mas pra mim a traição do sentimento
da confiança, do amor, é muito pior do que
uns beijos em lábios desconhecidos ou uma troca
de carícias com algum corpo além
e eu me sentia esfaqueando seu corpo enquanto
te abraçava e você sorria, agradecendo
“eu confio em você”

então acredite quando digo que entendo porque
você agora não confia mais em mim
eu deixei de te dar motivos para confiar há algum tempo
não vi seu abismo, não conheci teus bosques nem rios
bem antes de nos perdermos eu já havia desistido
de percorrer esses caminhos com você
só peço que não leve com você somente o rancor
ou a raiva ou a desconfiança
as pessoas mudam e eu sei que a pessoa que fui
seis anos atrás era perfeita para a pessoa que você era
seis anos atrás, e eu admito que sinto
falta de olhar em seus olhos e ver neles
um garoto que conheci há tantos anos e que eu amei
até queimar cada pedaço de carvão que
escavei de minhas próprias montanhas
pena que a gente se esqueceu que
carvão mineral não é um combustível
renovável

muito menos para o amor