26 de agosto de 2017

Eu não vou mentir mais

Oi, como vai você?
Já faz muito tempo que
Não conversamos
Será que você ainda sente
Rancor por mim e raiva?
Talvez
Mas talvez você tenha razão
Queria ter tido coragem
Queria ter sido a pessoa que
Você achou que eu fosse
Mas acho que você sempre
Me superestimou

Não vou mentir mais
Sinto sua falta
Sinto saudade do amigo que
Você foi e ninguém jamais
Será igual
De nós dois eu só guardei
As memórias boas
E eu te garanto, elas
Superam as ruins
Com uma margem enorme

Quebramos promessas demais
Mas talvez não tenhamos
Quebrado promessa alguma
Porque as pessoas que fizeram
Aquelas promessas anos
Atrás
Não são as mesmas que somos
Hoje
Mas ainda acredito que guardamos
A essência de quem éramos
E essa essência sempre foi
O que mais nos aproximou

Quando dei o passo derradeiro
Que fez a distância entre nós
Longa demais
E sim, eu sei que fui eu que
Estiquei a perna mais do que
Você conseguia acompanhar
Eu senti dor, mas não pude voltar
Doeu porque sabia que tinha
Doído em você
Doeu porque eu sabia que
Mais uma vez eu fui
Covarde demais para te
Contar a verdade
Mas já disse que
Não quero mentir mais

Desde o dia que fui embora
Eu desejo que você se torne
Tão feliz quanto merece
Desde o dia em que cortei
O último fio que me prendia a você
E vi você tropeçar sobre ele
No chão a sua frente
Tateando e chamando por mim
E virei as costas, surda cega muda
E continuei caminhando
Desejo que algum andarilho tenha
Parado e estendido a mão

Queria que tivéssemos acabado
De outra forma
Queria ter tido a coragem de contar
Que havia seguido em frente e havia
Outro nome em meus sonhos
De terminar quando realmente
Acabamos
E não deixar você se arrastar sozinho
No limbo de um relacionamento
Sem reciprocidade
Queria ter contado a verdade
Todos esses anos
Deixei se perderem pela ponta dos
Meus dedos frios
Mas eu já disse que
Eu não vou
Mentir
Mais

22 de agosto de 2017

Titânia

A noite é quente
O vento é frio
Sinto cheiro
De chuva na terra


O barulho do vento
Acariciando as folhas
Desperta por dentro
Amor e saudade


Sensação irreal
De estar e não estar
Cheiro intenso
De nostalgia e verão


A cabeça leve
Coração pesado
Solidão de primavera


Dói ou alivia?

13 de Agosto de 2017, Bauru

Ferro

Sinto um frio que não passa
Escorre algo pela garganta
Fecha os olhos e engole
O choro, a dor
O eu te amo
Tristeza tem sabor
De ferro


Levanta os olhos e procura
Incessante, insistente
Uma saída ou um caminho
Que leve para cima
Mas todos escurecem
Estrada
Abaixo


A casa não parece abrigo
A cama não traz alívio
Onde buscar analgésico
Pra essa dor
Que me sengue
Por onde quer
Que for


Engole mais uma vez
Pesado, denso, e todo dia
Um pouco mais de dor
Enfio garganta adentro
Cada dia o gosto
De ferro fica
Mais forte


Tranque as portas
Feche as janelas
Cortes os laços
Ajoelhe num canto
E deixe a trisreza sair
Em lágrimas

E ferro

7 de Agosto de 2017, Botucatu

dança

A vida toda
Fui espectadora
Observei de longe
Essa dança redentora
Coração saudoso
De passos que meus pés
Não conheciam, de fato


Sua mão encontrou a minha
Em meio à multidão
Me puxou antes que
Eu soubesse o que acontecia
Desorientada pelos holofotes
Busquei sua guia
Via só seus olhos
E neles mergulhei
Com os meus fechados


E eu que nunca soube
Dança alguma
Rodopiava pela pista
Sem medo, sem receio
Dançamos juntos
Em perfeita sintonia
Como se nossos corpos
Conhecessem
Essa dança natural
Mais velha que o animal


Sorrio e lhe conto
“Não sei o que estou fazendo”
Você ri alto
“Se soubéssemos, não seria a vida
uma dança, mas uma caminhada
e vamos concordar,
caminhar não é tão divertido

quanto dançar”

8 de agosto de 2017, Botucatu

miopia

Mais uma noite
Perdida no tempo
Mergulhada no frio
Sozinha no silêncio


Visão borrada
Faróis de carro se misturam
Com sombras humanas
Não há brilho no céu


Distância


Um pouco por dia
Centímetros, hoje
Metros, amanhã
Quilômetros, mês que vem


A distância não me aflige
O que me preocupa
É essa minha miopia
Depois de uns passos


Não te vejo mais

7 de Agosto de 2017, Botucatu

não vou te chamar de amor

Parece que o tempo ri da minha cara
Zomba dos meus apegos
Irônico é o destino que me leva
Estrada acima, morro abaixo, mar adentro
Nunca onde estou
Nunca bem onde quero chegar


O amor veio e o amor se foi
Um vulto à distância ficou com
Os contornos mais claros
Nunca me deixei acreditar
Que um dia por mim
Você sentisse amor


Nunca me permiti te chamar de amor
“Aquele lá que eu gosto um pouco”
“Aquela pontinha de sentimento”
“Mal resolvido” repeti até cansar
Mas no fundo eu sempre soube
Quem eu estava querendo enganar?


Renato me contou, muito tempo atrás
Mentir pra si mesmo é sempre a pior mentira
E eu menti todos os dias, todas as horas
Quando acordei naquele quarto
Com outro que dormia ao meu lado
Meus sonhos me levavam a você


Quantas manhãs acordei ofegando
Peito apertado, coração acelerado
Seu rosto fazia meu mundo girar
Seu nome fazia meu estômago revirar
Alguns centímetros antes do beijo
Segundos antes da confissão


Cruéis os caminhos que nos afastaram
Mais cruéis ainda os que nos aproximaram
Você segura correntes presas aos meus grilhões
Não sei se conhece o peso que carrega
Quando olha em meus olhos e sorri
Enquanto puxa com força meus dois joelhos ao chão


Posso contar os anos, oito, talvez nove
Eu era ela, você era ele, o que mudou?
Eu não sou mais ela, nem você é ele
Por que eu não consigo caminhar
Sem olhar para trás e sentir saudade
Através daquele seu antigo olhar?


Eles eram vasos, se quebraram no tempo
Talvez ainda doa tanto porque eu insisto
Em me agarrar a alguns pedaços dela
E cada vez que aperto com força para não perder
Ela me corta cada vez mais profundo
Pingos de sangue marcam meu caminho


O tempo cínico, cruel, seguiu minha trilha
De sangue, cacos e memórias estilhaçadas
Não vai deixar de ter a última gargalhada
Trouxe a mim de novo um novo amor
Só para entregar as correntes de novo nas mãos

Daquele que jurei não chamar de amor